Comemorações do Duplo Centenário
As Comemorações do Duplo Centenário, realizadas em 1940, entre 2 de julho e 2 de dezembro, foram o maior acontecimento político e cultural do Estado Novo e aquele que, possivelmente, lhe granjeou maior notoriedade. Para lá das indeterminações cronológicas e mesmo históricas, o evento solenizava o oitavo centenário da Fundação de Portugal (1140) e o terceiro centenário da Restauração da Independência (1640). Cuidadosamente planeadas pelo Governo de Oliveira Salazar, as comemorações tinham como objetivo declarado celebrar a grandeza histórica de Portugal. Contudo, entrevia-se outro propósito tácito: promover a ideologia do regime e consolidar os seus valores.
Começamos hoje a divulgação de alguns documentos alusivos ao Duplo Centenário com a partilha de uma circular do Governo Civil do Distrito de Lisboa, datada de 6 de janeiro, na qual se comunicava a aprovação, pelo Presidente do Conselho, do novo programa revisto das comemorações centenárias, explicitando que as solenidades teriam início em todo o país no dia 2 de [junho] de 1940, às 16 horas, com a realização de sessões solenes nas câmaras municipais de todos os concelhos. No documento pedia-se que as sessões coincidissem rigorosamente com a sessão da Câmara Municipal de Lisboa, onde o Presidente da República faria o discurso de inauguração oficial das festas nacionais do «Ano Áureo».
Com uma máquina de propaganda «bem oleada» e a alocação de amplos recursos materiais e humanos, o Estado Novo utilizou as comemorações para se afirmar como herdeiro da tradição colonial e imperialista, exaltando as virtudes do regime. As celebrações do Duplo Centenário procuravam, além disso, projetar uma imagem idealizada de Portugal, a de uma nação em paz, em contraste com uma Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial.
Durante o «Ano Áureo» vaticinado por António Ferro, foram organizados inúmeros eventos civis e religiosos e realizadas diversas exposições. Como complemento de algumas delas, celebrou-se o Congresso do Mundo Português. As comemorações incluíram desfiles, festas populares e manifestações culturais e artísticas que envolveram todo o país. Nas escolas e nos meios de comunicação promovia-se uma «educação patriótica», assente em valores tradicionais.
Para pôr em cena a apoteose do Estado Novo, aceleraram-se os planos de obras públicas, de construção e de restauro, foram erguidos vários cruzeiros da Independência e monumentos emblemáticos, como o Padrão dos Descobrimentos (reconstruído em 1960, por ocasião das comemorações dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique) e criadas obras de arte para assinalar a ocasião. A Exposição do Mundo Português foi, contudo, pela sua dimensão e conteúdo, o ponto alto das celebrações. Inaugurada a 23 de junho, apresentou pavilhões temáticos que glorificavam a história, a cultura e as conquistas de Portugal ao longo dos séculos. No âmbito internacional, as comemorações contaram com a participação de delegações estrangeiras e com ampla cobertura da imprensa internacional.
CML – AML – Correspondência Recebida, 1940