Estado Novo: A Verdade nos Documentos
De Fado «Subversivo» a Património Cultural Imaterial da Humanidade
A 27 de novembro de 2011 o fado foi declarado Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. A canção urbana de Lisboa, ganhava, finalmente, o reconhecimento e a notoriedade internacional que a voz inconfundível de Amália Rodrigues começara a traçar.
Recordamos a data divulgando uma circular do Governador Civil do Distrito de Lisboa em que se transcrevia o conteúdo de um ofício confidencial da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) sobre a programação artística de um estabelecimento no concelho de Loures onde se cantava o fado, solicitando informação sobre o assunto. Na circular, com data de 23 de maio de 1951, comunicava-se ao presidente da edilidade que numa taberna localizada em Moscavide, gerida por um indivíduo conhecido como adversário político do regime, se costumava cantar o fado com letras de carácter subversivo, anunciando, em cartazes afixados no estabelecimento, as várias sessões a realizar, com a indicação do dia, hora e nomes dos cantadores.
Ambos os documentos expressam, de forma inequívoca, a vigilância da PIDE sobre as várias formas de expressão cultural, incluindo o fado, que António Ferro considerara «perigosamente proletário». Utilizado, mormente a partir da Segunda Guerra Mundial, como instrumento de propaganda, promovendo uma imagem idealizada do regime, com a censura a condicionar as letras das canções, alterando-as ou proibindo-as, o fado foi também uma canção de resistência velada. Muitos fadistas e compositores usaram a sua criatividade, não apenas para exprimir a saudade, o destino, o amor e a resignação, mas também para incorporar mensagens subtis de oposição e de crítica social. Lembremos a coragem de Amália Rodrigues que, com aparente ingenuidade, cantou «Abandono», o fado escrito por David Mourão-Ferreira que se celebrizaria como «Peniche», aludindo a uma das prisões utilizadas pela PIDE para deter os adversários do Estado Novo.
CML – AML – Correspondência Confidencial, 1951