Estado Novo: A Verdade nos Documentos
Movimento de Unidade Democrática (MUD)
A 8 de outubro de 1945, nascia em Lisboa o Movimento de Unidade Democrática (MUD), considerado como o primeiro e mais amplo movimento legal de oposição ao regime fascista. Para assinalar a data, partilhamos um conjunto de documentos que dão visibilidade ao polémico inquérito às listas de apoio ao MUD e ao seu significado no contexto político de então.
Com o fim da II Guerra Mundial e a vitória dos países Aliados, liderados por governos democráticos, António de Oliveira Salazar enfrentava uma conjuntura pouco favorável. O crescente isolamento internacional e a necessidade de se ‘adaptar’ para se defender dessa Europa emergente e manter o poder autoritário que o sustentava, levaram-no a simular uma maior abertura política e a marcar eleições legislativas antecipadas para o dia 18 de novembro de 1945.
Com o Partido Comunista Português e o Movimento de Unidade Nacional Antifascista ilegalizados, alguns opositores, previamente autorizados pelo governo, reuniram-se em Lisboa, no Centro Republicano Almirante Reis, para avaliar a possibilidade de participar no ato eleitoral. A assembleia, ocorrida a 8 de outubro, esteve na origem do MUD. O Movimento reclamava liberdade de reunião, de associação e de imprensa e garantia de seriedade no ato eleitoral, propondo um novo recenseamento eleitoral e uma participação fiscalizadora da oposição. A 10 de outubro, as pretensões do Movimento foram rejeitadas pelo regime.
Estava criado um clima de efervescência política. Ao MUD aderiam personalidades de vários quadrantes políticos. Em pouco tempo, o Movimento conseguiu grande expressão popular, sobretudo entre intelectuais e profissionais liberais. A onda de apoio suscitou na organização a ilusão de que poderia bater-se eleitoralmente pelo poder. No final do mês de outubro, o MUD tinha em seu poder dezenas de milhar de assinaturas de adesão ao Movimento., garantindo o suporte popular e legal necessário para ir a votos.
A repressão do regime depressa se fez sentir quando o governo determinou um inquérito à legalidade das listas de assinaturas e suspendeu qualquer reunião ou comício. Algumas das figuras da Organização, como Mário Cal Brandão e Ruy Luís Gomes, foram presas. Em novembro de 1945, na nova comissão central, onde anteriormente já se tinham destacado os nomes de Gustavo Soromenho, José Magalhães Godinho, Teófilo Carvalho dos Santos ou Manuel Joaquim Mendes, surgem novos rostos como o escritor Alves Redol ou o matemático Bento de Jesus Caraça, demitido em 1946 da sua cátedra, na Universidade Técnica de Lisboa.
Nas eleições legislativas de 18 de novembro de 1945, todos os deputados eleitos pertenciam a uma única lista (União Nacional). A oposição, constatando a ausência de requisitos essenciais de seriedade e de liberdade no ato eleitoral, desistiu à boca das urnas para evitar a prisão dos seus membros. Salazar conseguia assim, alcançar três fins: satisfazer e iludir a opinião pública internacional, legitimar o regime e identificar e neutralizar os opositores internos, de quem a Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) se ‘ocuparia’ de forma mais violenta logo que imprensa estrangeira deixasse de estar tão presente no país.
Resistindo à vigilância e à perseguição da PIDE e aos enredos do Estado Novo que visavam o enfraquecimento e a posterior ilegalização do MUD, a Organização continuou a expandir-se, revitalizando-se com a criação, no verão de 1946, do MUD Juvenil, organismo de que fizeram parte figuras como Francisco Salgado Zenha, Júlio Pomar, Mário Sacramento, Mário Soares, Octávio Rodrigues Pato ou Rui Grácio e ao qual se devem, entre 1947 e 1948, importantes ações de combate à ditadura, como greves e protestos estudantis ou a organização da semana da juventude.
Apesar de ilegalizado em 1948, o Movimento viria a apoiar a candidatura presidencial do General Norton de Matos às eleições de 1949. Entre 1946 e 1956, realizar-se-iam ainda, no âmbito do MUD, as Exposições Gerais de Artes Plásticas (Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), Lisboa).
CML – AML – Correspondência Confidencial, 1945