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Arquivo Municipal de Loures | 2024-06-21

Estado Novo: A Verdade nos Documentos
A Ilusão do Direito à Emigração

Este mês apresentamos vários documentos relacionados com a emigração durante o regime do Estado Novo, destacando o papel das câmaras municipais que, incluídas num processo intrincado, tinham de acatar as instruções de uma Junta da Emigração (JE) pródiga na produção de regulamentos, alguns deles desfavoráveis às saídas legais. Porém, a intervenção das câmaras municipais estava longe de ser meramente administrativa e tão-pouco neutra. Prova disso, o facto de os pedidos de informação procederem não só da JE, mas também do Governo Civil do Distrito de Lisboa e da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE).

A anuência do recrutamento de trabalhadores para a emigração temporária ou definitiva (obrigatória), bem como o preenchimento dos documentos requeridos pela JE, alguns não mencionados na legislação, como o "Boletim de Informação",  que atestava a posse de bens e a idoneidade moral dos pretendentes, "concediam" aos agentes municipais o poder de desencorajar os candidatos fosse pela demora do processo administrativo, fosse pelas suas palavras e pareceres ou pelos pedidos de retribuição camuflados.

A emigração como direito, consignada pelo Vaticano nos anos de 1950, que o governo português aparentava acolher, na prática, ficava aprisionada na lentidão frequentemente intencional da JE e nos artifícios das câmaras municipais, convertendo-se num privilégio atribuído de forma discricionária. Também por isso, a partir de 1960, as saídas ilegais aceleraram ao ponto de se tornarem norma. Nas fronteiras com Espanha, passadores e contrabandistas organizavam e apoiavam fileiras de emigrantes clandestinos. Entre 1960 e 1973, perto de milhão e meio de portugueses saiu de Portugal não só em busca de uma vida melhor, mas também para fugir à ditadura e a uma guerra colonial que ceifava a vida de muitos jovens e destruía famílias.

A França, que como outros países europeus, carecia de mão-de-obra para reconstruir uma economia afetada pela II Guerra Mundial, encabeçava a lista dos países mais procurados, com perto de 900 mil emigrantes, 550 mil dos quais clandestinos. A esta preferência não seria alheio o encorajamento sub-reptício das autoridades francesas que facilitavam a regularização dos emigrados sem papéis.

Nos últimos anos da governação de António Oliveira Salazar, a emigração legal convivia com a ilegal. Por um lado, de olhos postos na mão-de-obra e nos soldados necessários para a guerra nas colónias [a saída dos jovens com mais de 16 anos tinha sido proibida], qualificava-se a emigração clandestina como nefasta e criminosa para os interesses económicos do país. Por outro, procurava-se reduzir as tensões sociais e manter os equilíbrios internos "deixando-os sair". Afinal, mais cedo ou mais tarde, a emigração traria (também) as remessas dos emigrantes ilegais, entretanto legalizados, e potenciaria a entrada de divisas.

A partir de 1968, com Marcelo Caetano, mudou o paradigma vigente. A posição oficial deixa de ser tão ambígua: a emigração, mais liberalizada, passou ser encarada com sendo, também ela, vantajosa para a modernização do país.

      

    


      

CML – AML – Correspondência Confidencial

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