Não é só na pedra e no metal que ficam marcados os feitos e os acontecimentos do passado, no papel encontramos mais vestígios de memória. Os revolucionários de 1910, através da Junta Revolucionária de Loures, não concederam qualquer margem à vereação deposta e deixaram-nos o relato dos dias que ocuparam os Paços do Concelho (Registo das sessões da Câmara Municipal de Loures, Livro nº 26, f. 95-96); do mesmo modo, em 1926, a Comissão Administrativa em funções exarou o seu protesto ao ser dissolvida «cedendo ao império do direito da força» (Registo das sessões da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Loures, Livro nº 5, f. 58v-59); em 1974, do mesmo modo, mas com algumas diferenças.
Para realmente entender o que se passou não basta ler o relato dos acontecimentos, acima de tudo é necessário interpretar as posições assumidas e conjugá-las com a forma da sua manifestação nos documentos produzidos. Aquele «dia inicial inteiro e limpo» era mais do que poesia, era também a certeza que a vida mudaria para muitos dos que, ligados por várias circunstâncias ao regime, exerciam cargos públicos. Precisamente na véspera da Revolução dos Cravos, a reunião da Câmara Municipal decorrera como qualquer outra, numa hora aprovaram-se obras municipais e operações urbanísticas sem nada notável a assinalar.
A Revolução estava na rua, nos gabinetes do poder ainda demoraria alguns dias e três dias depois o Presidente e o Vice-Presidente da Câmara entregam, na Junta de Salvação Nacional, uma carta a confiarem no «Movimento das nossas gloriosas Forças Armadas». Era o princípio do fim, sabiam bem isso e fizeram sentir a incerteza da sua permanência em funções numa reunião a 29, deixando-a registada de forma diferente das restantes em papel azul, não manuscrita e assinada por toda vereação, distinguindo-se perfeitamente a sua presença num livro de folhas brancas. E se a Revolução não triunfasse, teriam cosido no livro este documento?
Câmara Municipal de Loures, Registo das sessões da Câmara Municipal de Loures, Livro nº 74, onze folhas de papel azul, com timbre da Câmara Municipal de Loures, entre as páginas 22 e 23 (29/4/1974)
Reunião extraordinária para manifestação de várias entidades municipais a confiança no Movimento das Forças Armadas