Estado Novo: A Verdade nos Documentos
A Repressão Contra os Movimentos Anti-Guerra Colonial (1970)
A guerra colonial, ou ultramarina, como foi designada pelo regime, teve início em 1961. O conflito começou em Angola, quando os movimentos com ideologias anticoloniais partiram para a luta armada. Num contexto em que muitas colónias das potências europeias conquistavam a independência, António de Oliveira Salazar não conseguiu manter as províncias ultramarinas portuguesas fora do processo internacional de descolonização. O então Presidente do Conselho de Ministros, reassumiu o cargo de Ministro da Defesa Nacional e enviou tropas para o território. Começava assim, formalmente, uma guerra que rapidamente se estenderia a outras colónias. Em 1964, os combates já se desenrolavam em três frentes: Angola, Guiné e Moçambique.
Durante 13 anos, o conflito mobilizou noventa por cento da população jovem masculina e causou cerca de 100 mil vítimas entre os civis que viviam nas colónias. Embora os números ainda não sejam consensuais, estima-se que aproximadamente 10 mil soldados tenham perdido a vida, que 20 mil tenham ficado inválidos e que milhares de militares portugueses tenham sofrido de stress pós-traumático. A guerra colonial seria também uma das principais causas do descontentamento que levaria, em 1974, à Revolução dos Cravos.
Sessenta e quatro anos depois revelamos o conteúdo de uma circular confidencial emitida em 1970 pelo Gabinete do Ministro do Interior e enviada aos Comandos Gerais da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP). O documento continha diretrizes para implementar medidas repressivas contra quem se opunha à defesa do Ultramar Português. Também enfatizava a necessidade de esclarecer as pessoas de boa-fé e reprimir, disciplinar e penalmente, aqueles que estivessem envolvidos em campanhas criminosas.
O texto referia que o marxismo, nas suas vertentes progressista, socialista e comunista, com o apoio da emissora de Argel e da imprensa clandestina dos grupos Gedoc, do Portugal Socialista e do Avante, tinha organizado e multiplicado núcleos de propaganda contra a Guerra do Ultramar. Defendia-se a integridade dos territórios ultramarinos e a repressão de manifestações públicas de apoio aos movimentos de libertação.
Tais iniciativas, mesmo quando disfarçadas de temas económicos, sociais e artísticos, eram vistas como tentativas de corromper a moral dos combatentes e enfraquecer a sua determinação, prejudicando os interesses da Nação. Eram consideradas atividades ilegais por visarem a separação dos territórios da Mãe Pátria e por poderem incitar à deserção e à traição. As autoridades tinham a obrigação de perseguir essas ações e informar a Direção Geral de Segurança sobre qualquer ocorrência suspeita. Dever-se-ia prestar especial atenção às atividades de membros da extinta Comissão Democrática Eleitoral (CDE) e às movimentações de padres, professores e estudantes com ideias contrárias à Pátria, tanto dentro como fora das escolas, e comunicar todos os elementos que permitissem identificar e localizar os centros de apoio à campanha antinacional, como era designada pelo Governo.

CML – AML – Correspondência Confidencial, 1970