Do estabelecido na teoria arquivística, principalmente quanto aos documentos de arquivo, duas noções não podem ser esquecidas, não existem documentos isolados e os documentos não são criados para «fazer» História. Um documento não está isolado porque ele mesmo estabelece pela origem, pela data, pela forma, pelo conteúdo, entre outros atributos, relações causais com outros documentos e um documento surge por imperiosa necessidade de provar ou de informar. No fundo, para o futuro, um documento tem, simultaneamente, a prova e a informação do que aconteceu no passado.
Partindo dos pressupostos enunciados, pode considerar-se documento de arquivo o que se apresente em transcrição ou seja duplicado por meios mecânicos ou fotográficos, por exemplo, desde que tenha alguma modificação que o distinga do original e que tenha sido utilizado num procedimento como meio de prova ou de informação. Esta fotocópia, com várias anotações que não estão no original, faz parte de um conjunto de documentos, originais e cópias, recolhidos por um funcionário da Câmara Municipal envolvido em procedimentos eleitorais entre 1971 e 1973, sendo exemplo de um «documento com História».
Em 1969, o mandatário da Comissão Democrática Eleitoral (CDE) requere alvarás para os delegados presentes nas assembleias de voto fiscalizarem a eleição da Assembleia Nacional. Tudo normal, ainda hoje é assim, não fosse a lista ser nomeada por uma letra em vez da sua designação. Eram tempos de censura, mas também eram tempos de afrontar o poder ditatorial instituído, receoso de qualquer movimentação política opositora. O resto é História, o jovem advogado de Lisboa e mandatário da CDE era bem conhecido da polícia política, tinha estado envolvido na crise académica de 1962, assim como os dois membros da assembleia de Sacavém, Gilberto Lindim Ramos, preso várias vezes entre 1962 e 1971, e Armando José Gomes Tavares, que havia de ser preso em 1971.
In memoriam Jorge Sampaio (Lisboa, 18/9/1939 – Oeiras, 10/9/2021)
Requerimento para a passagem de alvarás de delegados da lista da Comissão Democrática Eleitoral (CDE) para a fiscalização da eleição da Assembleia Nacional (1969)