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Arquivo Municipal de Loures | 2025-11-01

Terramoto de 1755 – A Catástrofe, o «Inquérito Pombalino» e a Emergência da Ciência Sismológica

No dia 1 de novembro de 1755, Portugal foi palco de uma das maiores tragédias da sua história. Um terramoto devastador, seguido de um maremoto e de incêndios que duraram vários dias, reduziu grande parte da cidade de Lisboa e várias regiões do país a escombros, provocando dezenas de milhares de mortes e deixando um rasto de destruição sem precedentes. A magnitude da catástrofe exigiu uma resposta rápida e eficaz por parte do governo de D. José I, liderado pelo seu secretário de Estado Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde marquês de Pombal.

Uma das medidas mais inovadoras tomadas após o desastre foi o envio, no início de 1756, de um questionário com 13 perguntas aos bispos do reino, para ser distribuído aos párocos de todas as freguesias. O objetivo era recolher informações detalhadas sobre os efeitos do sismo em cada localidade. Este levantamento, conhecido como o «Inquérito do Marquês de Pombal», é hoje considerado um dos primeiros grandes estudos sistemáticos sobre sismos e é frequentemente apontado como o ponto de partida da sismologia moderna.

As respostas obtidas permitiram não apenas avaliar os danos materiais e contabilizar o número de vítimas, mas também aprofundar o conhecimento sobre as causas naturais do terramoto e determinar a sua grandeza com base em dados concretos. Esta abordagem científica veio desafiar a interpretação religiosa dominante da época, que atribuía o desastre à ira divina, e abriu caminho para uma leitura mais racional e científica dos fenómenos naturais.

Entre os legados mais relevantes das medidas adotadas, destaca-se a introdução da «Gaiola Pombalina», uma estrutura de madeira embutida nas paredes dos edifícios, concebida para oferecer maior resistência sísmica. Esta técnica representou um avanço significativo na engenharia da época e transformou o traçado urbanístico da cidade.  

A tragédia de Lisboa, ocorrida no Dia de Todos os Santos, teve um impacto profundo no pensamento europeu, abalando não apenas edifícios, mas também convicções filosóficas e religiosas. Tamanha destruição levou pensadores como Kant, Voltaire, Rousseau, Leibniz e Pope a refletiram sobre aquele dia fatídico, questionando a natureza do mal, a justiça divina e da ordem do universo. Kant, por exemplo, rejeitou explicações sobrenaturais e procurou causas naturais para o fenómeno. O terramoto de 1755 tornou-se um ponto de inflexão entre uma visão teocêntrica do mundo e uma abordagem mais científica da realidade, acelerando o avanço do Iluminismo e influenciando debates sobre teodiceia, moralidade, ciência e política.

A inquérito realizado após o terramoto foi, ao longo dos séculos, amplamente reconhecido pela sua relevância histórica. Em 1919, o estudioso Francisco Luiz Pereira de Sousa publicou a obra «O terremoto do 1.º de Novembro de 1755 em Portugal», reunindo os testemunhos recolhidos, incluindo os das freguesias do concelho de Loures. Este trabalho tornou-se uma referência incontornável para o estudo da catástrofe. Não surpreende, por isso, que em 1941 tenha sido proposta à Câmara Municipal de Loures a aquisição de uma cópia manuscrita e de um duplicado datilografado da obra – então esgotada – pelo valor de 200$00 — evidenciado valor patrimonial e documental da mesma.

    
    

CML – AML – Série Correspondência Recebida, 1941

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