O Médico que Denunciou o Abandono de Ribas de Cima (1930)
Partilhamos uma exposição do médico António A. que descreve as difíceis condições de vida em Ribas de Cima – um pequeno lugar onde possuía uma propriedade e passava parte do ano – nos anos de 1930. Apesar de residir na capital, onde exercia funções na Polícia de Segurança Pública (PSP), o médico mantinha uma ligação à terra que lhe permitia observar de perto as carências gritantes da população local.
No documento ficamos a saber que Ribas de Cima, adjetivado como um lugarejo aprazível e fértil, a dois passos de Cabeço de Montachique e de Fanhões e a três ou quatro quilómetros de Loures, era habitado por 95 «almas». Os residentes são descritos como gente inculta, agarrada à terra e dedicada ao trabalho árduo do campo, que se envergonhava de reivindicar os seus direitos mais básicos.
Mas, existiam necessidades que não podiam ser ignoradas: os habitantes tinham direito a não morrer de sede e a não partirem as pernas num velho caminho intransitável entre barrocais. A mais urgente das carências era a falta de água potável. A população dependia de um ou dois poços particulares, que secavam no verão, e de uma nascente abundante, mas pouco acessível, na serra, sem resguardo nem cuidados, onde corria água conspurcada por detritos e fezes que os animais deixavam quando ali iam matar a sede.
A par da falta de água potável havia o isolamento. O velho caminho de dois quilómetros, que ligava Ribas de Cima à Estrada Municipal que passava no Cabeço de Montachique, encontrava-se num estado deplorável – intransitável, perigoso, um verdadeiro obstáculo para a população e para os carros e veículos que se dirigiam a Loures ou à cidade.
A exposição, datada de 15 de setembro de 1930, continha ainda uma interrogação: se a imprensa da capital relatava diariamente os benefícios materiais concedidos pelas câmaras municipais a outros burgos do país, por que razão Ribas de Cima e o seu povo, que também pagava anualmente as suas contribuições à custa de muitos sacrifícios, eram deixados ao abandono e à margem do progresso? Afinal, não pediam avenidas arborizadas, nem iluminação elétrica, nem jardins ou cabines telefónicas. Contentavam-se com os candeeiros das casas e com a claridade argêntea. E claro, com água potável e um caminho seguro.


CML – AML – Série Requerimentos e Representações, 1930